#ArtigoCientífico: Adoração Pentecostal Brasileira



ADORAÇÃO PENTECOSTAL BRASILEIRA[1]

Aluno: Éder Billy Carvalho
Orientador: Rodrigo Luis de Aquino



RESUMO
Este artigo objetivou apresentar resumidamente as raízes e influências que caracterizam a atual adoração pentecostal, com ênfase levemente acentuada sobre a realidade brasileira. Partindo do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada (AT), passando pelo NT e pelos principais desdobramentos históricos da adoração cristã, buscou-se identificar os fundamentos que são utilizados para legitimar as práticas litúrgicas pentecostais. Foram destacadas algumas diferenças e semelhanças entre as principais subdivisões do pentecostalismo. Apresentou-se, ainda, críticas e louvações ao atual quadro da adoração pentecostal brasileira.

Palavras-chave: Pentecostal. Adoração. Neopentecostal.



1. INTRODUÇÃO
O Pentecostalismo no Brasil hoje representa o maior número de evangélicos. Segundo o censo do IBGE de 2010[2] divulgado recentemente, os pentecostais representam cerca de 60% dos evangélicos, algo em torno de 25,3 milhões de pessoas. Tais dados tornam latente a importância de se estudar o universo pentecostal brasileiro.
            Aqui abordaremos mais especificamente o culto e a adoração pentecostal. Nada mais pertinente, visto que as formas de adoração de uma comunidade religiosa estão intimamente ligadas à identidade da mesma. Como diria Russel Shedd, “a maneira como uma igreja adora, reflete a teologia da comunidade”. (SHEDD, 2007, p.11) Além disso, em se tratando de igrejas evangélicas, que tomam a Bíblia Sagrada como livro normativo de fé e prática, a adoração não está ligada somente à identidade teológica da Igreja, mas à sua própria razão de ser. Para ratificar esta linha de raciocínio, Martin toma 1Pedro 2 para fundamentar seu argumento nas seguintes palavras:
[...] Devemos considerar, não somente os vv. 9, 10, mas também a cessão inteira da epístola do apóstolo. A Igreja, segundo ele mostra, é um templo espiritual, construído para a glória de Deus, e para a adoração a Ele (v.5). A Igreja é um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo (v.5). A Igreja, como parceira do Israel antigo dentro da única aliança da graça, existe mediante a chamada do próprio Deus, “a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Enfim, Deus conclamou a Igreja de Cristo à existência a fim de ser uma comunidade adoradora. (MARTIN, 1982, p.14) 

            A fim de captarmos com a maior clareza possível a natureza da adoração pentecostal, é necessário, ainda que brevemente, analisar algumas das suas principais fontes, a saber: a adoração no Antigo Testamento (AT), a adoração da Igreja primitiva, na Idade Média, na Reforma Protestante, na Reforma Radical, e no movimento de santidade (holiness).
            Sem dúvida, no início do movimento pentecostal nos Estados Unidos da América (EUA) e no Brasil precisamos nos deter um pouco mais. Então poder-se-á analisar o quadro atual da adoração pentecostal brasileira, situada entre o fogo cruzado das propostas e influências advindas do pentecostalismo clássico, do deuteropentecostalismo, e do neopentecostalismo. Procurar identificar as diferenças e semelhanças entre ambos é de suma importância, com o objetivo de refletir crítica e construtivamente para o futuro da adoração pentecostal.



2. ADORAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
Justifica-se a importância de estudar a adoração contemporânea e a pentecostal à partir da adoração no AT, identificando o contexto do AT como a manjedoura da adoração do NT. Martin o diz de forma clara:
O molde da adoração cristã primitiva era o culto e a devoção da fé judaica, conforme seu cumprimento visto na vinda do Messias. É necessário, portanto, começar com o Antigo Testamento, as Escrituras que o judaísmo e a Igreja que nascia tinham em comum. (MARTIN, 1982, p.15)

Povos dos mais antigos intuíram a realidade do divino e criaram formas de venerá-lo e relacionar-se com os deuses. O AT descreve o processo de criação e desenvolvimento da adoração dos israelitas, povo de Yahweh. Segundo o relato do livro de Gênesis, já o primeiro homem, Adão, e seus filhos, dedicavam momentos específicos para invocar o nome do Senhor que os criara (Gn 4:26; 4:3-4). A adoração de Abel, em específico, já fazia uso do sacrifício de animais, o que veio tornar-se costume e ritual instituído para o culto do povo hebreu. Aliás, “o sacrifício era elemento comum do ritual de adoração da maioria das divindades, incluindo-se, é claro, o Deus de Israel”. (HURTADO, 2011, p.39)
            Através do ministério de Moisés inicia-se o chamado culto levítico. Este era
[...] extremamente pomposo. Em virtude de seu harmonioso elenco de sons e gestos, constituía-se num espetáculo de raríssima beleza. Haja vista a observação da rainha de Sabá ao visitar o rei Salomão. A soberana do país do Sul enaltece a Yahweh ao observar como os hebreus portavam-se na casa de Deus (1Rs 10.5). Os ministros do altar não poupavam esforços nem minúcias na condução do culto. (REFIFIM, 2006, p.18)

No culto levítico, além da necessidade de se ordenar os elementos do culto conforme a ordem divina, era imperioso observar locais e datas para as atividades religiosas. Conforme a exposição de Shedd,
na adoração do antigo Israel o espaço sagrado era comparável em importância aos tempos divinamente designados. Deus escolheu locais especiais para se revelar no decorrer da história veterotestamentária. (cf. Gn 28.17; Ex 3.1) Especialmente após o êxodo e a instituição da Lei, o levantamento do tabernáculo significava localizar a glória de Deus no lugar Santo. Deus proibiu Israel de erigir altares sacrificiais em qualquer lugar onde seu nome residisse (Dt 12.5,11; 15.20; 16.2; 17.8). Nos recessos inacessíveis do Santo dos Santos, aquele aposento santo, respeitável primeiramente no tabernáculo e depois no templo onde Deus “residia”, ficava o propiciatório e a arca que continha as tábuas da Lei. Ali, o sangue da expiação pelos pecados da nação era aspergido, no mais solene rito anual de adoração (Lv 16). (SHEDD, 2007, p.182)

Pelo menos duas palavras-chave para adoração no AT são de fundamental importância (e as mesmas exerceram forte influência sobre o conceito de adoração do NT):
Uma é a palavra que significa “inclinar-se em profunda admiração”. Tanto no hebraico quanto no grego a palavra significa literalmente “prostrar-se” diante do Senhor para beijar seus pés. Isso foi o que os persas fizeram diante dos seus reis “divinos”: é uma cena de total entrega e devoção, igual a que vemos num contexto cristão em Apocalipse 5.9. Há outra palavra para adoração, tanto no hebraico quanto no grego. Significa serviço. O hebraico habodah vem da mesma raiz que ebed, que significa servo, e que foi exemplificada de um modo incondicional por Jesus, o Servo do Senhor. Vale mencionar que a visão hebraica de serviço é muito diferente da grega. Em hebraico ela significa privilégio e honra, e não humilhação e servidão. Ser um servo de Deus era visto como um alto privilégio. (STEVENS, GREEN, 2008, p.23)

No sistema levítico de culto, havia uma preocupação verdadeiramente perfeccionista por parte dos ministros, e isto havia sido ordenado por Yahweh através de Moisés. Cada detalhe, cada elemento, cada movimento, tudo tinha de ser feito conforme o prescrito e com impecável reverência. Tal beleza e ordem enalteciam o nome do Deus de Israel. Simultaneamente, constatamos que não havia espaço para o improviso e a espontaneidade nos atos litúrgicos do templo. Tudo tinha de seguir com exatidão e fidelidade as prescrições da Lei. Todavia, isso não quer dizer que não havia espontaneidade na adoração dos antigos hebreus. A adoração não estava limitada aos ritos do templo. A qualquer momento, o israelita poderia irromper em exaltação, como se vê nos salmos compostos espontaneamente por ocasião de determinados episódios (cf. Ex 15:1-22; 1Sm 1:17-27; etc). A própria estrutura da poesia hebraica abria espaço para a espontaneidade na composição, conforme bem esclarece Kidner.
A poesia hebraica, pela sua flexibilidade de forma, se prestava bem para este emprego generalizado. Um ditado proverbial, um enigma, um apelo de um orador, uma oração, ações de graças, só para mencionar umas poucas variedades da expressão falada e escrita, todas estas podiam passar para os ritmos poéticos quase sem esforço, porque a sua métrica não era parcelada em “pés” ou em arranjos predeterminados de sílabas fortes e fracas; esta, pelo contrário, era ouvida no som de, digamos, três ou quatro acentos tônicos numa sentença ou frase curta, parelhada por uma linha que a ela correspondia, de cerca do mesmo comprimento. As sílabas mais leves que se entremeavam entre as mais fortes não tinham um número fixo, e a contagem de compassos fortes numa linha podia, por sua vez, ser variada com certa liberdade dentro de um único poema. Havia lugar de sobra para a espontaneidade [grifo meu]. (KIDNER, 1981, p.11-12)

Havia, portanto, rigidez na ministração sacerdotal do culto público, e, ao mesmo tempo, liberdade na expressão individual do israelita para com Deus. Este princípio aparece como sombra no ensinamento de Paulo sobre ordem e liberdade no culto. Para o apóstolo, ambos não competem entre si. Na verdade, complementam-se. Em sua análise sobre o culto espiritual, com base na primeira carta de Paulo aos coríntios, Lopes diz:
É evidente que o culto do Novo Testamento era bem participativo, com seus membros trazendo contribuições de acordo com os dons que receberam. Por outro lado, é impossível não ver que havia uma certa ordem, a qual não é incompatível com a liberdade espiritual nos cultos. (LOPES, 2004, p.224)



3. ADORAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO
Os discípulos de Jesus de Nazaré creram que foi a ele que se referiram os escritores do AT quando profetizaram a chegada do Messias de Deus, o Filho de Davi. Ele, por sua vez, reinterpretou e ressignificou várias crenças e mensagens veterotestamentárias. Demonstrou profundo respeito pelos costumes judaicos e pelo templo, mas relativizou-os diante da realidade da graça universal do Reino dos céus. Em algumas ocasiões, o Mestre fez questão de priorizar o testemunho do Evangelho aos judeus. Em certa ocasião, segundo o evangelho de Mateus, Jesus enviou seus discípulos para uma missão evangelizadora, e lhes ordenou, dizendo: “Não ireis pelo caminho das gentes, nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10:5-6). Quando, portanto, foi assunto aos céus, seus discípulos permaneceram em Jerusalém, entre os judeus, seu próprio povo, envolvidos em sua realidade. Seria impossível acontecer um corte cultural histórico radical e instantâneo. A missão cristã, e, portanto, a adoração cristã, iniciaram no reduto judaico.
            Um exemplo claro da influência da adoração judaica sobre a adoração cristã foi o uso constante dos Salmos em seus cultos. O Saltério falava (e ainda fala) forte ao coração dos cristãos, pois como diz Calvino, o Livro dos Salmos é “uma anatomia de todas as partes da alma, pois não há sequer uma emoção da qual alguém porventura tenha participado que não esteja aí representada como num espelho”. (CALVINO, 1999, p.33) Não foi sem razão, portanto, que os cristãos davam grande importância para os Salmos. Eles, assim “como o Senhor deles (Lucas 23:46), se voltavam aos Salmos de Davi à procura de linguagem para dar expressão às suas emoções mais profundas”. (MARTIN, 1982, p.36) E mais que isso, “o hinário do AT, o Saltério, era lido com olhos cristãos, e foram rapidamente detectadas prefigurações e profecias de Cristo”. (____, p.50)     
            Há que se ponderar que a igreja primitiva utilizava, na medida do possível, o templo e as sinagogas judaicas, também porque não dispunha de um templo próprio. Por esta razão,
o ambiente físico da adoração cristã primitiva era o lar; na maioria dos casos, provavelmente os lares dos cristãos de situação financeira relativamente melhor, os quais dispunham de recursos econômicos que lhes permitiam espaço suficiente para acomodar as reuniões de adoração [...] O ambiente doméstico, o tamanho do grupo que constituía a igreja domiciliar e o papel fundamental da refeição comunitária na prática da adoração podem ser entendidos como elementos que contribuíram para a intimidade social e a forte solidariedade entre os participantes. (HURTADO, 2011, p.58)

Entre as casas, o templo e as sinagogas judaicas, se olharmos para esse processo com um pouco de atenção, podemos observar que houve uma gradual, cuidadosa e deliberada transição entre a adoração do AT e do NT. Ao mesmo tempo em que os primeiros discípulos herdaram elementos culturais do judaísmo, como o monoteísmo, herdaram também o novo legado e a nova aliança que o Cristo lhes confiou. Um exemplo disso é bem esclarecido por Hurtado:
Da tradição judaica da época, o cristianismo primitivo herdou uma adoração monoteísta exclusivista que exigia de seus adeptos a renúncia ao culto prestado a outros deuses. Os judeus cristãos, pelo menos nas primeiras décadas do cristianismo, parecem ter continuado a participar das atividades religiosas do templo e da sinagoga e dos eventos em Jerusalém (i.e, das festas anuais, como a Páscoa, da oração no templo, dos sacrifícios). [...] A exclusividade da adoração cristã não compreendia a renuncia à participação na adoração judaica. Isso ocorria pelo motivo óbvio de que o Deus dos cristãos primitivos era identificado como o Deus do Antigo Testamento e de Israel, o Deus adorado na sinagoga e no templo de Jerusalém. (HURTADO, 2011, p.55-56).[3]
           
Além disso, da adoração judaica os cristãos herdaram a proibição a qualquer confecção de imagens ou esculturas do divino. A crença no AT como Sagrada Escritura foi mantida, bem como o cântico de Salmos nos cultos. A liturgia da sinagoga, a qual tinha caráter congregacional, revela as semelhanças e a fonte inspiradora do culto cristão. No dizer de Martin, “a sinagoga judaica foi um elo importante na disseminação das Boas Novas e é mais provável que seu padrão de adoração tivesse uma influência formativa sobre a adoração cristã”. (MARTIN, 1982, p.29)
Contudo, como não poderia deixar de ser, houveram certas rupturas, especialmente culturais, como a maneira de se compreender as tradicionais celebrações judaicas.
Não há dúvida que a igreja judaica continuou a observar os sábados e as festividades judaicas, mas a motivação não era mais por causa de uma obrigação divina. As antigas práticas eram consideradas meramente um fenômeno cultural. As reuniões semanais da sinagoga ofereceram aos evangelistas uma oportunidade de ouro para proclamar Jesus como o Messias Salvador (At 9.20; 13.14; 14.1; 17.1-2; 10; 18.1-4). Se as igrejas primitivas fossem considerar “dias, meses, estações e anos” (Gl 4.10) como elementos essenciais da adoração a Deus, elas recairiam na escravidão dos rudimentos fracos e pobres ou nos “espíritos” (stoicheia) que as haviam acorrentado anteriormente (Gl 4.8-9). (SHEDD, 2007, p.175)
           
Segue-se disso que os cristãos compreenderam que Cristo é o Templo e o Senhor do templo, “e que a adoração ali realizada está para cessar, pois uma nova ordem tomou o lugar dela”. (MARTIN, 1982, p.27)
Em suma, os cristãos mantiveram o que foi possível manter, ressignificaram o que foi possível ressignificar, e excluíram o que foi necessário excluir (como o sacrifício de animais). Isso fica claro se observarmos que “desde o florescimento da igreja cristã, houve uma consciência de que o culto sacrificial judaico tivera um valor transitório: ele apontava para o sacrifício perfeito de Cristo (At 6.8; 7.53)”. (REFIDIM, 2006, p.19)
É perfeitamente clara a presença de algumas das principais e atuais características do Pentecostalismo já na adoração primitiva.  
O estilo de adoração entre os primeiros cristãos era [...] carismático. Profecias, línguas, intervenções do Espírito Santo eram comuns e podiam ser trazidos por qualquer membro da comunidade que tivesse recebido o dom (Atos 11.27-30; 1Coríntios 12 e 14). Era espontânea. Isto fica claro pelo texto de Atos 4.24, entre muitos outros. “Eles, ouvindo isto, levantaram unanimemente a voz a Deus”. (STEVENS, GREEN, 2008, p.30)

Vemos aí, portanto, o fator carismático e sua espontaneidade na adoração dos primeiros cristãos.
Poderíamos então expor alguns dos elementos principais da adoração cristã primitiva: eucaristia (refeição litúrgica e comunitária), orações, leitura das Escrituras (profetas, cartas paulinas), cântico de salmos, hinos e cânticos espirituais, e exposição da mensagem bíblica (instrução). Martin organiza todos estes elementos em apenas três princípios fundamentais: louvor, oração e instrução. (cf. MARTIN, 1982, p.29)



4. DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA ADORAÇÃO CRISTÃ
Até o segundo século, pouca coisa mudou. Surgiram certas padronizações, como verifica-se no Didaquê (50 – 150 d.C?). Surge um padrão para a Santa Ceia. Também, “orações determinadas são dadas e visam ser empregadas à Mesa. Há, porém, liberdade suficiente para uma rubrica ser acrescentada: ‘Mas que os profetas rendam graças o quanto desejem.’” (___, p.159) Havia a liturgia da Palavra, para todos, e a do cenáculo, para os batizados.
Porém, o tempo pode mudar muita coisa. Na Idade Média
o culto cristão tornou-se ritualístico e aparatoso, perdendo a simplicidade original. Surgiram práticas desconhecidas dos primeiros cristãos, como o uso de incenso, velas, orações pelos mortos e invocação dos santos e de Maria. A língua utilizada era o latim e o celebrante dava as costas para o povo, o que dificultava a comunicação e a compreensão do culto. O impacto sensorial e emocional da missa era profundo, sendo intensificado pela rica arquitetura e decoração dos templos. No entanto, havia pouca instrução bíblica e limitada edificação espiritual. (ULTIMATO, 2010, p.60)

Incenso, velas, orações pelos mortos, invocações dos santos e de Maria, ministrações em Latim e de costas para o povo, entre outros, foram elementos que afastaram a igreja da forma primitiva de adorar. A adoração e o culto congregacional sofreram muitas mudanças. Sobre a invocação de Maria, o historiador Blainey fornece mais detalhes:
Maria, a mãe de Cristo, exercia um fascínio cada vez mais intenso. Seu status aumentava, e um sentimento de profunda reverência por ela se espalhava pela costa leste do Mediterrâneo, Alexandria e Antióquia. Embora os evangelhos não fossem unânimes ao apontar a virgindade de Maria, quando deu à luz Jesus, a ideia de que ele era filho único ganhou credibilidade. Por volta de 432, estava de tal modo disseminada a certeza de que Maria tinha permanecido virgem, que foi afastada a noção, defendida por Marcos, da existência de irmãos e irmãs de Jesus. Cada vez mais se acreditava que Maria, ao morrer, tivera o corpo levado da terra ao céu. Conhecido na igreja ocidental como Assunção da Santa Virgem Maria, e na igreja oriental como Dormição ou Sono Eterno, esse conceito a coloca formalmente no céu, como Jesus. Em 594, o bispo Gregório de Tours abençoou o evento, e seu veredicto foi aceito. Com isso, as orações dirigidas a Maria adquiriram mais influência e afeto. O próximo passo para a sua entronização só seria dado na Idade Média. No que se chamou Imaculada Conceição, ficou estabelecido que Maria, tal como o filho, tinha nascido sem pecado. (BLAINEY, 2012, p.48-49)
           
No período da Idade Média, “a experiência religiosa, em geral, esteve, pois, fora da doutrina e da prática da igreja, regidas que eram por um forte racionalismo de raiz platônica e que menosprezava a experiência sensível.” (PASSOS, 2005, p.44) Portanto, o fervor e o fator carismático enfraqueceram. Foram relegados a último plano. O conhecimento das Sagradas Escrituras sofreu o mesmo prejuízo, visto que o povo não tinha acesso ao estudo da Palavra.
Com o advento da Reforma Protestante, segundo Passos, “busca-se um retorno às origens históricas do cristianismo” (___, p.31). A Escritura voltou a receber atenção (sola scriptura – só a Escritua).
Os princípios sola fide (só a fé) e sola gratia (só a graça), [...] vão recolocar os fundamentos do cristianismo em novas bases e dinâmicas. Na verdade, a história, e suas mediações de acesso ao tempo original serão relativizadas em favor de um acesso direto. A fé é o caminho único e direto ao tempo da salvação, disposta a todos os fiéis. (PASSOS, 2005, p.31)

Com isso, Passos diz que os ritos e o sacerdócio (os quais o autor diz que constituem uma estrutura hierarquizada) deixaram de ser o único portal para as origens. A Reforma defende que a fé abre o caminho para todos os crentes.
A missa (culto) deixou de ser ministrada em latim. Lutero empenhou-se para traduzir a Bíblia para o Alemão, idioma de seu povo. O culto e os hinos populares ministrados na língua do povo entraram no cenário. Calvino empenhou-se no mesmo esforço, e sobre isso Blainey faz importante menção:
Para Calvino, tal como para os católicos, os salmos tinham importância vital. Ele insistia em que, na França e em Genebra, os salmos fossem cantados em francês, e não em latim, para facilitar a compreensão. O canto não devia ser acompanhado de instrumentos musicais nem de um coro. A ideia parece severa demais, mas os visitantes estrangeiros que entravam na ampla igreja em Genebra e ouviam centenas de pessoas cantando juntas ficavam pasmos, ao perceber tanta força e sinceridade. (BLAINEY, 2012, p.189)

A doutrina teológica do sacerdócio de todos os crentes trouxe implicações profundas para a adoração, visto abrir espaço para a participação de todos, munindo-os da crença de que o caminho para o trono da graça de Deus estava-lhes aberto (cf. ULTIMATO, 2010, p.61).
A Reforma Radical veio enriquecer o quadro de influencias que alcançaram o Pentecostalismo. A Reforma Protestante ficou mais concentrada entre a elite, preservou certos aparatos litúrgicos, e não alterou a prática do batismo infantil católico romano. Os anabatistas, então, surgem alegando que o batismo deveria ser uma opção, podendo ser, portanto, praticado somente por adultos. Os pentecostais pensam e agem da mesma forma. Outra semelhança entre a Reforma Radical e o Pentecostalismo é a valorização do ministério leigo. Os ministros não precisam passar obrigatoriamente por estudos formais exaustivos para exercerem liderança eclesiástica.  
O principal acréscimo que o Metodismo propôs, à partir do século XVIII, foi o não conformismo com o formalismo da religião, e a busca de uma piedade profunda, interior e posterior à justificação – a santificação (cf. PASSOS, 2005, p.47-49). Com o movimento de santidade (holiness) contextualizando o metodismo de Wesley para os EUA, o qual incentivava e de fato proporcionava uma forte característica de fervor religioso, aberta estava a porta para o Pentecostalismo propriamente dito.



5. ADORAÇÃO PENTECOSTAL
A despeito de os pentecostais frequentemente alegarem que sua origem única e absoluta é o pentecostes de Atos 2, o Pentecostalismo foi influenciado por toda a história da igreja, passando pela Idade Média, o Montanismo, o Pietismo, o Metodismo, até chegar na Escola Bíblica Betel (1901), fundada por Charles F. Parham, em Topeka, Kansas (EUA). (cf. ROMEIRO, 2005, p.21-46)
            Com seus alunos, Parham empreendeu um estudo sobre o batismo no Espírito Santo. Apesar de não fazer uso de qualquer livro além da Bíblia, ser-lhes-ia impossível olhar para trás a não ser pelo filtro da história. De fato, Parham foi muito influenciado pelo “movimento de santidade”. (cf. ARAÚJO, 2007, p.542) Não obstante, o resultado dessa busca começou a manifestar-se em um culto de passagem de ano, quando “Parham orou com imposição de mãos sobre a aluna Agnes Ozman e ela começou a falar outro idioma”. (AQUINO, 2013, p.140) Tal manifestação pentecostal é chamada “xenolalia” (idiomas identificáveis). Seguiu-se dias depois que ele e outros alunos receberam também a referida benção do Espírito.
Em Los Angeles, Califórnia, o nome de Willian J. Seymour, pastor negro, começa a fazer história (1906). Era um pregador de santidade que havia recebido recentemente os ensinamentos defendidos por Parham. (ARAÚJO, 2007, p.604) Seymour pintou com mais detalhes o rosto do Pentecostalismo que vigora no Brasil, por ter aceito a manifestação pentecostal glossolálica (língua estranha) como sendo também uma obra legitimamente do Espírito Santo de Deus. (cf. AQUINO, 2013, p.141-143) O culto em Azuza era, resumidamente, fervoroso e espontâneo. Segundo registros,
os cultos eram longos e, de forma geral, espontâneos. Nos seus primeiros dias a música era à capela, embora um ou dois instrumentos fossem tocados. Os cultos incluíam cânticos, testemunhos dados por visitantes ou lidos daqueles que escreviam para a Missão, oração, momento de apelo para pessoas aceitarem Cristo, apelo à santificação e ao batismo no Espírito Santo, e, obviamente, pregação. Os sermões normalmente não eram preparados antecipadamente e eram tipicamente espontâneos. W.J. Seymour era claramente o encarregado da pregação, porém havia bastante liberdade para pregadores visitantes. A oração pelos enfermos era também uma parte frequente nos cultos. Muitos gritavam. Outros ficavam “rindo no Espírito” ou “caídos no poder”. Algumas vezes havia períodos de prolongado silêncio ou de cânticos em línguas. Nenhuma coleta era feita, mas havia um receptáculo próximo à porta para ofertas. (ARAÚJO, 2007, p.605)

O movimento da Rua Azuza espalhou-se para o mundo. Dois jovens suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, tornaram-se adeptos do movimento que se espalhava pelos EUA. O pastor batista William Howard Durham esteve na congregação de Seymour, e levou a influência do avivamento da Rua Azuza para Chicago, onde estiveram Luigi Francescon, fundador da Congregação Cristã do Brasil (CC)[4], além de Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores da Assembleia de Deus (AD) brasileira (2011). Batizados no Espírito Santo, Berg e Vingren vieram ao Brasil em 1910, trazendo a mensagem pentecostal, e iniciaram o ministério e o processo que veio dar origem à maior igreja evangélica brasileira, a AD. De início trabalharam na Igreja Batista de Belém, onde começaram a pregar a mensagem pentecostal. Duas irmãs, membros da referida igreja, creram e receberam o batismo no Espírito Santo.
Criou-se então uma discussão na igreja que culminou na expulsão de 13 membros no dia 13 de junho de 1911. [...] No dia 18 do mesmo mês e ano, domingo, com 18 pessoas presentes mais Vingren e Berg, nascia na casa de Celina Albuquerque a Missão de Fé Apostólica, que, em 11 de janeiro de 1918 mudou de nome, sendo registrada oficialmente como Assembléia de Deus. (ARAÚJO, 2007, p.902)
           
O culto liderado por esses pioneiros do Pentecostalismo brasileiro abria espaço para a participação dos membros e leigos (os quais eram majoritariamente pobres e indoutos). Há uma certa ligação entre o culto pentecostal brasileiro e o americano. Segundo Campos Júnior, “como no Brasil a influência norte-americana foi intensa, pode-se considerar que a visão de um culto mais espontâneo foi assimilada pelos pioneiros do Pentecostalismo aqui” (CAMPOS JR, 1995, p.139).
O espaço para a contribuição de todos no culto (através de profecia, testemunhos, cânticos, entre outras formas), é uma característica pentecostal que está, de certa forma, embasada na doutrina do sacerdócio de todos os crentes, explanada teologicamente pelos reformadores protestantes, porém, em termos práticos, levada ainda mais adiante. “O Pentecostalismo talvez possa realmente ser descrito como uma expressão institucional da revolta contra o ministério de um só homem”. (BRUNER, 1986, p.109)
            Nos cultos pentecostais, os testemunhos, pregações, orações e cânticos são feitos com muito entusiasmo e emoção. Isso é confirmado por Bruner:
É difícil dizer se uma parte maior da reunião pentecostal mediana é ocupada na música e na oração – mas ocupada certamente está, em grande medida, pelas duas, e nas duas por todas as pessoas, e nas duas com bastante sentimento”. (____, p.109)

Os crentes glorificam a Deus com gestos e palavras em alto volume e intensidade. Toda expressão é bem vinda no arraial pentecostal: sorrir, chorar, bater palmas, correr, saltar, dobrar os joelhos, levantar as mãos, cantar, etc. Tais manifestações são indispensáveis para os fiéis pentecostais, pois sua espiritualidade é fortemente centrada na experiência. Sobre isso Bruner também pontuou dizendo:
É importante notar que não é a doutrina, mas, sim, a experiência do Espírito Santo que os pentecostais repetidas vezes asseveram que desejam ressaltar. Realmente, a atração central do movimento pentecostal [...] consiste puramente em uma experiência espiritual, poderosa e individual. (____, p.16)

            A supervalorização da experiência também já trouxe sérios problemas para a coerência da identidade teológica do pentecostalismo clássico. Cientes disso, líderes e teólogos pentecostais renomados e respeitados, elaboraram o seguinte manifesto:
Constatamos uma inconciliação entre aprofundamento da Palavra e poder do Espírito. Por consequência, elegemos a experiência como elemento fundante de nossa teologia. Tem havido ênfase no emocional em detrimento do racional, confundindo emocionalismo com a “vontade do Espírito” e uma forte tradição à cultura do não pensar. Isso tornou-nos vulneráveis às influências estranhas, por causa de interpretações bíblicas sem fundamento hermenêutico. (Carta de Campinas, 2010)

Importante instrução para os cultos da AD foi feita na convenção geral de 1935, presidida pelo missionário Otto Nelson, onde se levantou a questão da maneira apropriada de se conduzir um culto público. A resolução foi: “o culto deve ter hinos cantados com vida, as pregações não devem ser longas e o dirigente deve evitar, durante a reunião, intervalos e anúncios demorados, ‘que possam desviar a atenção dos ouvintes’”. (DANIEL, 2004, p.104)
O fervor no Pentecostalismo, sem dúvida, é por demais marcante. Porém, o fervor na adoração não é uma exclusividade pentecostal.
É evidente que o fervor religioso sempre caracterizou a adoração cristã primitiva e teria sido, ao mesmo tempo, atraente e importante dos cultos cristãos. Na verdade, o forte fervor religioso na adoração pode ter ajudado a compensar outras atividades religiosas das quais aquelas pessoas tinham aberto mão, e pode ter ajudado a preservar o compromisso com a exclusividade cristã na adoração. Em Colossenses 3.16 e Efésios 5.18-20, o ensino inspirado, a admoestação e o cantar com gratidão “salmos, hinos e cânticos espirituais” a Deus devem ser todos entendidos, provavelmente, como fenômenos da adoração coletiva que ilustram a exaltação e o fervor religiosos buscados nos grupos cristãos primitivos. (HURTADO, 2011, p.63-64)

            Martin usa não apenas a palavra “fervor”, mas destaca também o próprio fator “carismático” na Igreja primitiva. Diz o referido autor: “Com esse termo nos referimos à oferenda de louvor e oração entusiastas sob o aflato direto do Espírito, quer em linguagem inteligível quer em linguagem extática (i.é, glossolalia, ou “dom de línguas”, referido em 1Co 14:2,6ss)”. (MARTIN, 1982, p. 153)
Aferimos disso que o fervor e a entusiasmada expressividade pentecostal constituem também um recurso de resiliência – de fuga. Uma forma de conseguir vencer as dificuldades e perseguições. Especialmente em seus primórdios, os pentecostais foram muito incompreendidos e perseguidos, além de serem, em sua maioria, pobres e desfavorecidos. Como conseguiram suportar tantos sofrimentos, mantendo a santidade e a fidelidade a Deus, sem apelar aos recursos e atrativos biblicamente pecaminosos? Por certo que o extravasar, inclusive em línguas estranhas, sempre os ajudou neste desafio.

5.1 A mensagem dos louvores no pentecostalismo clássico         
O pentecostalismo clássico enfatiza a mensagem de que o batismo no Espírito Santo é de suma importância para o crente. Este tema é o que melhor distingue o Pentecostalismo de outros movimentos evangélicos. Porém há outras mensagens que são muito divulgadas pelos pentecostais.
            Observando a Harpa Cristã (HC), hinário oficial da AD, percebe-se logo que há muitos hinos dedicados a falar sobre a volta de Jesus, salvação e graça, o poder e a obra do Espírito Santo, missão evangelizadora, etc. Exemplos:

“Graça, graça! A graça eu achei em Jesus” (n° 205).[5]
“Poder pentecostal, ó vem nos inflamar [...] teus servos batizar” (n° 24).
“Foi na cruz onde um dia eu vi meu pecado castigado em Jesus” (n° 15).
“Um dia Cristo voltará, ao ascender o prometeu...” (n° 123).

            São mensagens que incentivam a santificação, a espiritualidade fervorosa, o serviço, o evangelismo, e a esperança na eternidade celestial. Desde sempre, os líderes assembleianos reconheceram a importância de se zelar pela coerência da mensagem, e do quanto tais mensagens ganham maior força através dos hinos. Uma mensagem cantada pode causar mais impacto do que uma mensagem falada. Por isso, nos primórdios da AD, em uma de suas convenções gerais,
O irmão Paulo [Macalão] leu Salmos 118.19-20, mostrando que o avivamento depende de o obreiro ter um espírito animoso e de louvor, como Josué e Calebe, e que devemos cuidar do louvor da igreja, organizando coros, orquestras e bandas para assim melhor louvarmos o nome do Senhor” (DANIEL, 2004, p.190)

Macalão, um dos principais colaboradores na criação da HC, defendia que não pode haver avivamento se não houver louvor verdadeiro e agradável a Deus no culto. Este é um compromisso pelo qual zela este movimento, como deixa claro a seguinte declaração oficial da instituição: “Concluímos que cem anos não é um fato para apenas comemorar e acomodar-se, mas para despertar-nos a continuar pregando a mensagem que deu início à nossa caminhada em território nacional: Jesus salva, cura, batiza no Espírito Santo e em breve voltará”. (Carta de Campinas, 2010)

5.2 Conteúdo e formas da adoração neopentecostal
A expressão “terceira onda do Espírito” (FRESTON) refere-se ao surgimento do movimento neopentecostal (MARIANO)[6]. O Pentecostalismo clássico é classificado na 1° onda. A Igreja do Evangelho Quadrangular é a primeira das igrejas da 2° onda, também chamada de deuteropentecostalismo. E no final da década de 1970 inicia o movimento da 3° onda, o qual ganhou maior força na década de 80. A principal igreja representante deste movimento é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada e liderado por Edir Macedo (MATOS, et al., 2013, p.8).
Fazendo uso de divulgação via rádio e televisão, o neopentecostalismo popularizou-se a tal ponto que poucos comentaristas leigos do Pentecostalismo brasileiro concebem a ideia de que neopentecostalismo e pentecostalismo clássico são distintos por natureza. O universo pentecostal é tão complexo que prefere-se a expressão “pentecostalismos” à “pentecostalismo”.
            A mais característica mensagem neopentecostal divulga que a pobreza é sinal de pecado e falta de fé. A vitória financeira é alcançada por meio da fé e do sacrifício, os quais, na prática, correspondem a ofertar valores para a igreja. É a chamada teologia da prosperidade.
            Um dos maiores representantes do movimento neopentecostal brasileiro é o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. No site oficial da instituição está publicada uma mensagem escrita pelo próprio Macedo que diz:
Quantas pessoas estão com a Bíblia debaixo do braço, que creem nele de todo o coração, mas a vida está uma miséria, uma desgraça, um fracasso? Por quê? Porque elas não têm tido, ou não têm aprendido a sacrificar. Pois quando se sacrifica, se conquista. A Universal é formada de um povo que está acostumado a sacrificar. Sacrifica suas ofertas no altar, sacrifica sua vida, seu coração e é por isso que acontecem coisas grandes e magníficas no nosso meio.” (MACEDO, 2013).
           
Tal mensagem, obviamente, marca não somente o conteúdo dos sermões neopentecostais, mas a letras de suas músicas. Alguns exemplos:

“Prosperarei, transbordarei. Os meus celeiros fartamente se encherão...”.[7]
“Então eu direi, uô-u-o, abra-se o mar...”.[8]
“Hoje o meu milagre vai chegar”.[9]
“Onde eu colocar a planta dos meus pés, sei que a tua benção chegará. Bendito serei na terra...”[10]

5.3 Diferenças e semelhanças entre pentecostais clássicos e neopentecostais
A influência das igrejas neopentecostais no movimento pentecostal brasileiro é um tema tão importante que entrou em pauta para a “Carta de Campinas”, realizada de 26 a 28 de agosto de 2010, na AD em Campinas, SP[11], por importantes e reconhecidos pastores e teólogos da AD. Eis uma das declarações: “Igrejas pentecostais estão se ‘neopentecostalizando’”. (Carta de Campinas, 2010)
Comparando as letras, constata-se uma grande diferença entre o conteúdo teológico das músicas pentecostais clássicas e o conteúdo das músicas neopentecostais – a grosso modo.
Não seria exagero dizer que o neopentecostalismo relativizou as mensagens que a Bíblia prioriza, e priorizou as mensagens que a Bíblia relativiza, visto que, em seus cultos, é comum dedicarem mais de 30 minutos só para falar sobre oferta financeira e prosperidade material.
Não estamos dizendo que os neopentecostais abandonaram por completo as demais mensagens da Bíblia. Entre suas músicas, encontramos, também, letras que falam de cruz[12], renúncia, salvação, e assim por diante. Porém, a ênfase neopentecostal é prosperidade (vitória, conquista, etc).
É preciso, ainda, fazer a ressalva de que, mesmo entre as igrejas e comunidades novas (que surgiram a partir da década de 80), há aquelas que não enfatizam a prosperidade. São igrejas equilibradas, que se preocupam em pregar o Evangelho como as boas novas da salvação de Cristo para o pecado e a santificação do Espírito Santo de Deus.
            Outra diferença entre a adoração das igrejas pentecostais clássicas e das neopentecostais, é o estilo musical. As músicas neopentecostais são menos conservadoras e mais modernas. Isso somou para que a música gospel brasileira alcançasse um vasto e lucrativo mercado. Consequentemente, os compositores e intérpretes tradicionais do pentecostalismo clássico também começaram a investir mais em suas produções musicais. Mas isso é recente. Os neopentecostais saíram na frente. Já faz muito tempo que venceram o preconceito contra alguns estilos musicais que sempre foram condenados pelos tradicionais. Frases como “o diabo é o pai do rock” não possuem a menor influência sobre os neopentecostais, de modo geral.
            Outra diferença é o fato de que os neopentecostais fazem uso da dança (a sincronizada e a espontânea) como linguagem de adoração, e a reconhecem como ministério. Já no primeiro DVD do ministério Diante do Trono, da igreja Batista da Lagoinha, gravado em 1998, a dança fez parte da ministração.[13]
            Os neopentecostais também reconhecem o louvor como ministério e valorizam a figura do ministro de louvor. A maior parte das igrejas pentecostais tradicionais não desenvolveu esse entendimento, o que acaba por prejudicar o trabalho dos músicos, visto não haver fiscalização e suporte ao trabalho deles. O pensamento oculto é: “Se não é ministério, não é tão importante assim. Não precisamos exigir consagração, caráter e excelência de nossos músicos na mesma proporção em que exigimos dos pregadores e pastores. Não precisamos investir e oferecer o mesmo suporte que oferecemos aos outros ministérios da igreja”.
            Não é tarefa fácil classificar movimentos tão expressivos e complexos. Não podemos cometer o equívoco da generalização. Há sempre exceções à regra de ambos os lados. O que podemos afirmar, de uma forma geral, é, como já mencionamos, uma das características principais do Pentecostalismo brasileiro como um todo é a expressividade espontânea, carregada de emoção e voltada para a experiência. E isso é algo comum a todo o universo pentecostal.



6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoração pentecostal está ligada à história do povo hebreu, visto que esta história está registrada na Bíblia Sagrada dos cristãos.
Alguns pontos a serem listados poderiam ser: da adoração no AT o Pentecostalismo herdou o monoteísmo e a rejeição de imagens representativas do divino. Da adoração no NT herdou a simplicidade (embora, ultimamente, o glamour e o status estejam sendo incorporados, devido ao novo cenário, muito mais popular e atrativo, que a música gospel está ocupando no campo religioso brasileiro), o fervor e o fator carismático. Da Reforma Protestante herdou a utilização da Bíblia (ainda que de modo livre e informal na maioria das vezes), e a valorização prática da doutrina do sacerdócio de todos os santos, recolocando as expressões de louvor ao alcance do povo, com hinos populares e na língua nativa de cada comunidade. A Reforma Radical legou-lhe a atenção voltada ao povo comum, a rejeição ao formalismo litúrgico rebuscado e ao intelectualismo teológico em detrimento do apreço pela prática ministerial leiga. O Movimento de santidade (holiness) enfatizou a preocupação com a santificação e o fervor espiritual, além de também tratar-se de um movimento que rejeitou a elitização anglicana da religião, voltando-se assim para as massas.
Crendo na atualidade dos dons do Espírito, especialmente o de línguas em sua manifestação glossolálica, o Pentecostalismo espalhou pelo mundo um novo “som” de adoração, mais parecido com “barulho” na verdade. E é exatamente este ponto que mais o diferencia das demais expressões religiosas. Por conta disso, muito preconceito foi manifestado por parte tanto dos que atacam quanto dos que se defendem. Contudo, há que se reconhecer que este “barulho” não é necessariamente sinônimo de superficialidade e mera teatralidade dos adoradores pentecostais, visto que milhares deles maravilharam o mundo com seus ministérios dignos, frutíferos, e beneficiadores do Reino de Deus e da sociedade. Como exemplo, podemos citar o próprio Willian Seymour, que exerceu liderança e pioneirismo pentecostal de uma forma nobre e democrática, dando todo espaço às mulheres e aos negros, promovendo igualdade. E porque não citar David Wilkerson (1931 – 2011), pastor pentecostal que influenciou o mundo com o trabalho de recuperação de dependentes químicos, chamado de Desafio Jovem. Há muitos outros heróis e heroínas pentecostais anônimos, que propagam a Palavra e o amor de Deus através do Evangelho que vivem e pregam. Nem tudo são flores, obviamente. Muitos dão o exemplo oposto, infelizmente. Porém esta é uma realidade comum a todas as religiões. Os bons e os maus, os verdadeiros e os falsos estão em toda parte.
Com sua proposta de um ministério ao alcance de todos, o Pentecostalismo colocou nas mãos de gente simples e sofrida, uma poderosa ferramenta de resiliência: o dom de línguas e os demais dons do Espírito. Abrir a Bíblia e ser tocado por ela, crendo na revelação do Espírito. Sentir-se alvo da Palavra de amor de Deus. Perceber-se proclamador desta mesma Palavra. São conquistas que deram nova esperança e sentido de vida para muitos brasileiros. A experiência de falar em línguas estranhas é também a experiência da não-palavra acompanhada do não-silêncio. É o descanso da mente junto ao ministério e expressão da voz. É a revalorização da inteligência sensível e cordial (coração), e o corajoso questionamento ao reinado absoluto da razão, tão idolatrada pela Modernidade. Ambas são importantes: a inteligência cordial e a intelectual. O equilíbrio é necessário.
Certos de que o Pentecostalismo tem muito para repensar, também é fato que já contribuiu e ainda tem muito para contribuir para o Reino de Deus, para a cultura, para a religião, e para o mundo de modo geral.  



7. REFERÊNCIAS
AQUINO, R. L. Glossolalia em Atos 2 e a interpretação pentecostal. p.139-149. In: POMMERENING, C.I. Entre flores e espinhos: o Espírito em movimento na Assembleia de Deus. Joinville: Refidim, 2013.
ARAÚJO, I. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
BLAINEY, G. Uma breve história do Cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento Educacional Ltda., 2012.
BRUNER, F.D. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 1986.
CALVINO, J. O livro dos salmos: volume 1. São Paulo: Edições Paracletos, 1999.
CAMPOS JR, L.C. Pentecostalismo. São Paulo: Ática, 1995.
CARTA DE CAMPINAS. 2010. Disponível em <http://www.cpadnews.com.br/integra.php?s=12&i=4330> Acesso em 18/10/2013.
DANIEL, S. História da convenção geral das assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
HURTADO, L.W. As origens da adoração cristã: o caráter da devoção no ambiente da igreja primitiva. São Paulo: Vida Nova, 2011.
KIDNER, D. Salmos 1-72: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão.
MACEDO, E. Promessa e sacrifício. 2013. Disponível em: <http://www.arcauniversal.com/mundocristao/estudos-biblicos/noticias/promessa-e-sacrificio--13028.html>. Acesso em 18/10/2013.
MARTIN, R.P. Adoração na igreja primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1982.
MATOS, A.S. et al. Fé cristã e misticismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
LOPES, A.N. O culto espiritual: um estudo em 1 Coríntios sobre questões atuais e diretrizes bíblicas para o culto cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
PASSOS, J.D. Pentecostais: origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005.
REFIDIM. Liturgia e introdução à música. 2. ed. Joinville: Editora Refidim, 2006.
ROMEIRO, P. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p.21-46.
SHEDD, R. P. Adoração Bíblica: os fundamentos da verdadeira adoração. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2007.
ULTIMATO. Alderi Souza de Matos. Liturgia e culto: reflexões à luz das Escrituras e da história cristã. 2010.





[1] Artigo científico apresentado ao curso de Bacharel livre em Teologia EaD da Facauldade Teológica Refidim.

[2][2] Disponível em <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf> Acesso em 25/10/2013.
[3] Ver também MARTIN, R.M. Adoração na igreja primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1982. p.23-32.
[4] Primeira igreja pentecostal brasileira, fundada em 1910. Não obstante a importância de estuda-la, dado ao espaço que temos, analisaremos com mais detalhes a AD, por ser a maior representante do pentecostalismo brasileiro em número de membros, e por contextualizar-se com maior facilidade do que a CC.
[5] Todos os exemplos extraídos de CPAD. Harpa Cristã: edição comemorativa. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.
[6] Cf. ARAÚJO, 2007, p.584-585.
[7] Intérprete: Ministério Apascentar de Nova Iguaçu. CD: Deus de promessas, 2005.
[8] Intérprete: Aline Barros. CD: Extraordinário amor de Deus. Gravadora: MK Music, 2011.
[9] Intérprete: André Valadão. CD: Milagres. 2005.
[10] Intérprete: Nani Azevedo. CD Bendito Serei. 2006.
[11] Disponível em <http://www.cpadnews.com.br/integra.php?s=12&i=4330> Acesso em 18/10/2013.
[12] Exemplo: “Eu olha para a cruz e para a cruz eu vou...”. VINEYARD. Música: Quebrantado. Álbum: Adorando em casa – vl 1. 2011. Aliança.
[13] Cf link do site oficial do ministério: <http://www.diantedotrono.com/Discografia/diante-do-trono/> acesso em 18/10/2013. Não estou rotulando essa e outras igrejas como neopentecostais, é muito difícil fazê-lo. O fato é que a Igreja Batista da Lagoinha, da qual faz parte o Ministério Diante do Trono, apesar de não ser como a Igreja Universal do Reino de Deus, foi fortemente influenciada por práticas e certas mensagens neopentecostais, e que também aconteceu com a maioria das Assembleias de Deus.

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