INFANTILIZAÇÃO E FEMINILIZAÇÃO DO LOUVOR? (Éder Carvalho)



Críticas recentes estão sendo feitas a algumas expressões do louvor que marcaram época e se tornaram a trilha sonora do louvor de muitos cristãos no Brasil. Vejamos quais são as críticas e até que ponto são válidas.


I- A INFANTILIZAÇÃO DO LOUVOR
“Quero ser como criança, Te amar pelo que És...”;
“Olha Deus, o desenho que eu fiz pra você...”;
“Jesus eu quero sentar no Teu colo...”.

            Segundo a crítica, músicas com expressões como essas podem desencorajar o amadurecimento dos adoradores. Elas expressam na verdade uma carência dos fiéis, causada possivelmente por uma infância traumática, ou por um saudosismo escapista de quem não quer assumir as responsabilidades da vida adulta.

            Quero oferecer alguns contrapontos a essa reflexão.

            Sou ministro de louvor e compositor, e como tal, sempre tive como critério usar a Bíblia como referência primeira e última para as letras das canções que eu componho ou canto. Para tanto, é necessário um árduo exercício teológico para identificar a base bíblica ou a falta dela em algumas letras de músicas. Nem sempre consegui fazer isso com rapidez. Mas nunca tive receio em me retratar, reciclar minhas ideias e reformular meu repertório.
            Partindo desse pressuposto, “a Bíblia como referência máxima para tudo”, deixe-me dizer o que penso.

            Desde que uma canção tenha uma justificativa bíblica, não vejo porquê deixar de cantá-la movido por uma preocupação social, filosófica, ou ideológica recente.
            Ora, se Jesus suscitou a reflexão da criança como figura de linguagem para a humildade e pureza de coração, as quais jamais devemos perder, que mal há nisso? Por mais que estejamos vivendo um tempo em que homens se comportam como meninos, e filosofias e ideologias malignas se levantam com força para encolher especialmente o homem, no intuito de destruir a família, ainda assim não temos razão para dizer que a culpa de todos esses males está em algumas canções evangélicas que utilizam a figura de linguagem bíblica da criança em suas letras. Obviamente que as causas da imaturidade de muitos são outras.

            A ressalva que preciso fazer é que, de fato, muitos dos nossos compositores são péssimos hermeneutas bíblicos, o que os leva a estrapolar o significado real das metáforas bíblicas, e a da criança é uma delas. Quando a Bíblia diz que devemos ser como crianças, ela o diz em contextos específicos, o que limita os significados.

Quando Jesus usou uma criança como modelo para seus discípulos, ele o fez diante de uma discussão carnal e infantil dos discípulos acerca de qual deles seria o maior entre os demais. Jesus então diz que no Reino de Deus o maior é o menor e servo de todos. Portanto, a palavra-chave aqui é humildade (Lucas 9:46-48).
Quando o Mestre disse “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais...” (Mateus 18:15-17), Ele estava se referindo à pureza das crianças. Sim, porque, na continuação do texto, Jesus diz que o Reino dos céus é delas. Ora, se aquelas crianças nunca haviam feito uma confissão de fé em Jesus, nem se arrependido de seus pecados, e mesmo assim Deus lhes havia dado acesso livre ao Seu Reino, significa que o “passe livre” das crianças está em sua inocência. Paulo reforçou isso dizendo: “Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sejais meninos na malícia e adultos do entendimento” (1Coríntios 14:20).
O salmista Davi também fez uso dessa figura de linguagem para falar não somente de humildade, mas da necessidade de descansarmos no amor de Deus Pai, sabendo que Ele sabe o que é melhor para nós.

Senhor , o meu coração não se elevou, nem os meus olhos se levantaram; não me exercito em grandes assuntos, nem em coisas muito elevadas para mim. Decerto, fiz calar e sossegar a minha alma; qual criança desmamada para com sua mãe, tal é a minha alma para comigo. Espere Israel no Senhor , desde agora e para sempre.” (Salmos 131:1-3)

Quando Jesus nos ensinou a chamar Deus de Aba, de certa forma Ele nos colocou na posição de filhos, crianças, bebês (Mateus 6:9; Romanos 8:15).

Todos esses são aspectos da infância que, espiritualmente, devem permanecer em nossos corações por toda a vida. E tudo isso pode e até deve fazer parte de pelo menos algumas de nossas canções.
O problema está nos exageros. O que estrapola os siginificados bíblicos é que deve ser rechaçado. Por exemplo, usar a imagem da criança para construir um conceito de intimidade bobinha, mimada, ensimesmada e carente (no sentido de “mal resolvida” quanto ao seu passado e sua história), realmente é prejudicial para a espiritualidade cristã.


II- A FEMINILIZAÇÃO DO LOUVOR
“Lindo, lindo, lindo És...”
“Senhor, formoso És...”
“Meu amado é o mais belo dentre milhares...”

            A crítica que tem sido feita a essas expressões é que elas seriam apropriadas somente para mulheres cantarem tais versos ao Senhor. Músicas que colocam os adoradores homens na posição de Noiva (gênero feminino), estão cumprindo uma agenda (proposta) marxista, a qual visa desconstruir a figura masculina do homem, também com o propósito de destruir a família.

            Novamente, não vejo razão para abrir mão de uma linguagem bíblica por causa de uma ameaça ideologica recente (recente, se comparada ao tempo em que essa linguagem bíblica foi construída).

            Dizer que Deus é lindo tem sua raiz principalmente na metáfora bíblica que descreve uma relação de amor e romance entre Deus e Israel e Jesus e a Igreja. No segundo caso, que é o mais pertinente ao cristianismo, Jesus é o Noivo e a Igreja é a Noiva. Para a Noiva, o Noivo é belo e desejável.

Como és formoso amado meu, como és amável” (Cantares 1:16). “O meu amado tem a pele bronzeada. Ele se destaca entre dez mil” (5:10); “Ele é elegante como os cedros” (v.15).  

            A interpretação alegória deste livro, que toma o amado como Jesus e a amada como a Igreja, é a que mais foi utilizada pela tradição cristã e mesmo pela igreja de hoje. A sabedoria da patrística e a sobrevivencia da propria Igreja são, em si mesmas, provas cabais de que essa interpretação não gera a feminilização dos adoradores homens de Jesus.

            A crítica diz então que não devemos cantar que somos “a Noiva de Cristo” na primeira pessoa do singular porque a Noiva não é um indivíduo, e sim um povo.
De fato, a Noiva é um povo e não um indivíduo; mas isso não quer dizer que não podemos cantar como Noiva ao Noivo na primeira pessoa do singular, isso porque o tempo verbal da primeira pessoa do singular não sugere o desmembramento do corpo de Cristo, mas a unidade dele. Quando uma congregação inteira canta a Jesus como “o amado” na primeira pessoa do singular, ela está fortalecendo ainda mais aquilo que a crítica julgou que se estava desfazendo, o conceito bíblico de que a Igreja de Cristo é um só povo. Pelo fato de sermos um, em nossa comunhão e em nosso culto congregacional, podemos sim cantar ao Senhor na primeira pessoa do singular.

Tal linguagem não pode ser a causa da feminilização de muitos homens, primeiro porque ela é bíblica (e Deus não induziria seus filhos a isso), segundo porque ela não é a única. A Bíblia também nos dá outras metáforas: corpo, templo, filhos, igreja, edifício, etc. O que uma metáfora não consegue ilustrar, a outra consegue, e o retrato perfeito só se constitui na junção das metáforas, e não na exclusão de uma delas.

Dizer que Deus é lindo não é antibíblico. Vejamos.

O salmista fala da “beleza” da santidade do Senhor (Salmos 29:2). A expressão messianica do Salmo 45 reafirma isso: “Tu és mais formoso do que os filhos dos homens...” (v.2). Isaías também declara: “Naquele dia o Senhor dos exércitos será a coroa de glória e o formoso diadema para os restantes de seu povo” (28:5). Também é obvio dizer que Ele é lindo porque a Bíblia afirma inúmeras vezes que Ele é glorioso. Tudo que é glorioso é belo.

CONCLUSÃO
            Banir as músicas bibliocentricas que falam sobre a necessidade que o cristão tem de ser como criança para poder conhecer a realidade do Reino dos céus, não resolverá o problema da meninice e imaturidade de muitos cristãos.  
Abolir expressões bíblicas que se referem a Cristo como “amado”, “lindo”, “formoso”, não impedirá que homens evangélicos se percam em sua identidade masculina ou em sua hombridade.
Não se trata de uma questão de causa e efeito. Não existe uma relação entre esses fatores. A melhor solução para tais problemas, a saber, a infantilização e a feminilização do homem cristão, está, com certeza, no discipulado.

De seu irmão em Cristo, Éder Carvalho.
www.edercarvalho.com

  

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